



Entrevistas

A Torre das Donzelas do título é o Presídio Tiradentes, em São Paulo, onde, durante a ditadura militar, ficaram presas várias mulheres. Décadas depois do fim do regime, a diretora Susanna Lira, que tem se debruçado sobre temas femininos, escuta algumas das ex-ocupantes da prisão . No começo do documentário, as protagonistas reais tentam desenhar, num quadro negro, o lugar de seu calvário, apontando onde ficavam suas próprias celas. Conforme o filme avança, vamos entrando nas celas e nos aproximando da intimidade da memória dessas mulheres.
Apesar de a ditadura militar brasileira ter sido razoavelmente explorada pelo nosso cinema recente, as mulheres estavam relativamente ausentes dessa representação. Essa foi sua principal motivação para realizar o filme?
Eu acho que apesar de termos muitos filmes sobre ditadura, parece que ainda não foram suficientes para cobrir o que foi a complexidade daquele período. O momento político atual expressa uma grande falta de conhecimento do que foi aquele momento no Brasil. Nesse sentido, a ausência de uma filmografia sobre a luta pela feminina pela democracia foi um fator que me estimulou a focar minha pesquisa em um prisão específica que foi a Torre das Donzelas.
Tendo, antes, realizado outros filmes que procuram representar as mulheres e discutir o feminino, como você localiza “Torre das Donzelas” na sua trajetória?
Eu tenho voltado meu olhar para protagonistas femininas que, de uma forma ou de outra, tentam mover o mundo pelas próprias forças. São mulheres que capitaneiam causas muito fundamentais, mas que nem sempre conseguem a visibilidade necessária. Nesse sentido, Torre das Donzelas mostra mulheres que doaram o que tinham de mais precioso para que chegássemos à democracia. Elas doaram a própria vida, no sentido de que carregam sequelas importantes até hoje. Eles viveram na pele e sentiram dores físicas e emocionais de um regime brutal. Graças a elas e a muitas outras pessoas que foram mortas e estão desaparecidas até hoje podemos cobrar do Estado nosso direito de ir e vir e nossa liberdade de expressão.
O filme, desde o início, procura imprimir uma atmosfera sensível e delicada à narrativa. Como e por que você construiu esse dispositivo, a despeito da violência do tema?
Eu nunca quis fazer um filme sobre vítimas derrotadas e queixosas. Meu objetivo foi sempre trazer para a narrativa a crueza do que elas viveram, mas levando em consideração a escolha que cada uma fez pela luta. São mulheres que foram conscientes para a prisão e que descobriram no cárcere um dispositivo de sobrevivência muito essencial. Elas criaram laços de afeto, amizade e sororidade que as fortaleceram de tal forma que, apesar dos corpos estarem presos, a mente delas estava livre. Essas mulheres se reconstruiram dentro de um ambiente absolutamente desumano.
Algumas das mulheres entrevistadas, como a ex-presidente Dilma Rousseff, são figuras que, imagino, tiveram alguma reticência em se expor. Como se deu aproximação com as suas protagonistas reais?
Foram sete anos de trabalho e tentativas de aproximação. Não foi fácil com nenhuma delas e com a Dilma não foi diferente. Havia um pacto inconsciente de silêncio que elas descobriram ao longo do processo do filme. Despactuar e ter a coragem de narrar é acessar áreas obscuras que você deseja esquecer. Acho que, em determinado momento, elas se tocaram do quão fatal poderia ser não contar sobre esses horrores. É uma história que vamos lutar para que não se repita. Ao deixar eternizado esses testemunhos, elas mais uma vez nos dão uma prova de coragem e resistência.
O que o seu filme tem a dizer para o Brasil, neste momento? Ele estreará nos cinemas?
Vamos batalhar para que o filme chegue o quanto antes aos cinemas. Acho que ele acaba sendo um "grito de alerta" e quase um manual de como sobreviver nos próximos anos. Estou confiante de que ele pode trazer reflexões importantes para evitar que uma nova ditadura aconteça.
Ana Paula Sousa