



Entrevistas
“Cravos é um filme sobre família, sobre dor, sobre arte”
Durante quatro anos o diretor Marco Del Fiol acompanhou, com sua câmera, o fotógrafo Christian Cravo. Juntos, eles foram para três países africanos e tentaram desenovelar as complexas relações afetivas e artísticas de família baiana que marcou as artes brasileiras: o escultor Mário Cravo Júnior (1923-2018), o fotógrafo Mário Cravo Neto (1947-2009) e o próprio Christian. Desse encontro, nasceu Cravos, o documentário que estreia na 42ª Mostra.
Qual foi o ponto de partida desse filme?
A família da minha mulher é da Bahia, o pai dela conheceu o Mário Cravo Júnior e ela própria conheceu o Christian. O que me interessava, do ponto de vista cinematográfico, era o ambiente da família Cravo. O que esse ambiente gerou? O Mário Cravo Jr., ao lado do Jorge Amado e do Carybé, esculpiu a Bahia, recortou aquele lugar. E então, em 2012, o Christian ia fazer uma viagem para a Tanzânia e me convidou para ir com ele. Ficamos doze dias lá. Nos primeiros dias, ele ficou falando sobre a arte dele. No quinto dia, ele falou sobre a briga entre os irmãos. Mas falou de costas para a câmera. Na nossa segunda viagem, para Uganda, ele já aprofundou mais a relação com o pai. A partir daí, entendi que estava fazendo um filme de família.
A arte serviu como pano de fundo para se discutir uma família marcada pelas desavenças…
Cravos é um filme sobre família, sobre dor, sobre arte. É um filme sobre as relações. É quase uma constelação familiar. E, claro, tem toda a camada da natureza. Eu faço filmes mestiços. Não são filmes tradicionais, não são ficção, não são cinema direto. Eu sou uma pessoa de temperamento excessivo. E a vida tem tragédia e tem beleza; tem borboleta e tem urubu. O filme tem esses excessos, que são a marca dessa família também. Durante as filmagens, a família brigou comigo, inclusive (risos). Até mesmo a entrega do material de arquivo foi um processo difícil. E essas imagens foram fundamentais para o filme. Tudo ali tem uma carga emocional muito grande.
O filme trata de muitos temas, mas eu gostaria de saber o que foi, para você, o fio condutor da narrativa?
Minha inspiração foi, sobretudo, literária. Na montagem do filme, eu via o Christian como alguém atropelado pela vida, como um Riobaldo [protagonista de Grande Sertão: Veredas] que não tinha conseguido digerir tudo aquilo por que tinha passado. Assim como o Riobaldo, ele precisava de alguém que o escutasse. Eu entendi que meu papel era escutar e acompanhar a organização do pensamento e dos sentimentos dele. Chegaram a me perguntar: “Você vai filmar esse cara? Ele é um chato!” (risos). Mas eu queria um personagem difícil, um personagem encravado na própria história familiar.
Ana Paula Sousa
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Durante quatro anos o diretor Marco Del Fiol acompanhou, com sua câmera, o fotógrafo Christian Cravo. Juntos, eles foram para três países africanos e tentaram desenovelar as complexas relações afetivas e artísticas de família baiana que marcou as artes brasileiras: o escultor Mário Cravo Júnior (1923-2018), o fotógrafo Mário Cravo Neto (1947-2009) e o próprio Christian. Desse encontro, nasceu Cravos, o documentário que estreia na 42ª Mostra.
Qual foi o ponto de partida desse filme?
A família da minha mulher é da Bahia, o pai dela conheceu o Mário Cravo Júnior e ela própria conheceu o Christian. O que me interessava, do ponto de vista cinematográfico, era o ambiente da família Cravo. O que esse ambiente gerou? O Mário Cravo Jr., ao lado do Jorge Amado e do Carybé, esculpiu a Bahia, recortou aquele lugar. E então, em 2012, o Christian ia fazer uma viagem para a Tanzânia e me convidou para ir com ele. Ficamos doze dias lá. Nos primeiros dias, ele ficou falando sobre a arte dele. No quinto dia, ele falou sobre a briga entre os irmãos. Mas falou de costas para a câmera. Na nossa segunda viagem, para Uganda, ele já aprofundou mais a relação com o pai. A partir daí, entendi que estava fazendo um filme de família.
A arte serviu como pano de fundo para se discutir uma família marcada pelas desavenças…
Cravos é um filme sobre família, sobre dor, sobre arte. É um filme sobre as relações. É quase uma constelação familiar. E, claro, tem toda a camada da natureza. Eu faço filmes mestiços. Não são filmes tradicionais, não são ficção, não são cinema direto. Eu sou uma pessoa de temperamento excessivo. E a vida tem tragédia e tem beleza; tem borboleta e tem urubu. O filme tem esses excessos, que são a marca dessa família também. Durante as filmagens, a família brigou comigo, inclusive (risos). Até mesmo a entrega do material de arquivo foi um processo difícil. E essas imagens foram fundamentais para o filme. Tudo ali tem uma carga emocional muito grande.
O filme trata de muitos temas, mas eu gostaria de saber o que foi, para você, o fio condutor da narrativa?
Minha inspiração foi, sobretudo, literária. Na montagem do filme, eu via o Christian como alguém atropelado pela vida, como um Riobaldo [protagonista de Grande Sertão: Veredas] que não tinha conseguido digerir tudo aquilo por que tinha passado. Assim como o Riobaldo, ele precisava de alguém que o escutasse. Eu entendi que meu papel era escutar e acompanhar a organização do pensamento e dos sentimentos dele. Chegaram a me perguntar: “Você vai filmar esse cara? Ele é um chato!” (risos). Mas eu queria um personagem difícil, um personagem encravado na própria história familiar.
Ana Paula Sousa